sábado, 26 de março de 2011

DE SÃO JORGE A BAPHOMET

...Só um instinto perverso levaria alguém a entrar num templo católico em busca de prazer carnal... Então eu sou um desses instintos..."

Por Erennin

Com adaptações para o português do Brasil por Qayinn Lvane

Há vários dias que já teclavamos e sentia que o meu discurso contra-cultura provocava na jovem uma mistura de medo e curiosidade quase eróticos como se de fruto proibido se tratasse.

Nada de novo. Nesta cidade há uma igreja medieval em cada esquina. Esteja onde estiver em Braga (Portugal), você vai ouvir sinos de Igrejas tocando a toda a hora, ou não fosse Braga conhecida como a cidade dos três “Pês" (Padres, Putas e Paneleiros[2]). Foi neste cenário que nasceu, cresceu e tornou-se tocadora de órgão de igreja a rapariga com quem teclava. Certo dia a gente resolveu deixar os teclados e dar o passo seguinte, e assim, combinamos; eu ir vê-la tocando o órgão na igreja numa missa de domingo de manha só pra mim. Levantei-me cedo nesse domingo. Vesti-me de católico e fui. Cheguei cedo, as pessoas esperavam à hora da missa no adro da igreja conversando sobre futebol e a vida dos outros. Estava um frio de tirar o tesão mas a ansiedade e as fantasias eróticas que passavam a 200 por hora na minha mente, aumentavam a pulsação cardíaca ao ponto de sentir o fluxo das veia nas gola da camisa. Para mim estava calor, muito calor e a hora não chegava. Por fim o som pesado de um tranco de ferro seguido do ranger lento das portas de carvalho velho ecoaram de dentro da igreja como se alguém tivesse dito "abre-te sésamo".

Entramos, misturei-me com o rebanho e penetrei o templo. As paredes eram brancas com estátuas de Santos em gesso, apoiados em altares em forma de ondas que pareciam saltar das paredes para cima da gente. Vi o órgão. Estava lá do lado direito tapado por um pano escuro que um senhor foi tirar e dobrou cuidadosamente. Estavam algumas pessoas sentadas por trás do órgão num pequeno anfiteatro. Devia ser o pessoal do Coro. Olhei cada uma dessas pessoas que pareciam estar ali há tanto tempo como as estátuas, mas nenhuma era a rapariga que eu procurava.

A missa começou. O Padre parecia quase acreditar naquilo que ia dizendo e os fieis iam cumprindo o seu papel dizendo - amén - aqui e ali. Sentados ao meu lado estavam um casal com uma criança pequena. Lembraram-me aquela família que mora ao lado dos Simpsons, os "Flanders".

Olhei para a menina e sorri. Ela agarrou a mão da mãe e fez-me uma cara feia pondo a língua de fora. Eu disse-lhe baixinho "- olha que isso é pecado! Jesus Castiga-te!". Ela fez beicinho e virou-me as costas.

Eu tinha noção que o Padre estava a dizer qualquer coisa sobre fariseus e animais na Arca de Noé mas a minha mente navegava por outras águas. Não via o momento em que a moça aparecia para tocar o órgão. Já tinha de cor as primeiras palavras que lhe ia dizer no fim da missa. Entretanto, chegou o momento da hóstia que nós conhecemos como ritual do Housle. Os crentes fizeram fila pelo meio da igreja enquanto o Padre ia introduzindo as rodelas na boca de cada crente. "Falta o Vinho!" pensei eu "- o resultado das ordálias de um fruto que nasce no ar deveria ser misturado com o resultado das ordálias de algo que nasce da terra Para assim simbolizarmos o casamento alquímico do qual resultará a criança redentora. E ao ingerir essa mistura permitimos que a criança nasça simbolicamente dentro de nós e assim participamos neste mistério."

Ao meu lado, os Flanders falaram:

- Não Levas a miúda[3] contigo para tomar a hóstia?- perguntou Ele.

- Não vale à pena, ela comeu bem em casa antes de virmos – Respondeu a Srª Flanders.

Fiz o sinal da Cruz, e pensei "Valha-me Deus... Não fazem os mesmo a puta da idéia do que vem aqui a fazer."

A missa avançava e eu olhava para o Órgão e para o relógio e da moça Nada. Estava a stressar. A luz descia no interior da igreja recortados pelos quadradinhos dos vitrais lá no alto e o Padre continuava o seu sermão como se estivesse a pregar aos peixes do deserto.

Atentas ao sermão estavam as estátuas de gesso, sem pestanejar ou desviar o olhar sequer e os meus olhos passeavam distraídos pelas suas formas lá no alto. Sempre tive uma tremenda dificuldade em manter os olhos e a mente focadas no mesmo ponto por muito tempo. Talvez por desinteresse, desinteresse pelo que me rodeia, desinteresse pelo que ouço, pelas pessoas vulgares á minha volta, desinteresse pelo mais-do-mesmo que me dizem, desinteresse pela vida. Viver por obrigação é foda mesmo. Apetece estar sempre fugindo, sempre no mundo da Lua. Não faço a puta da idéia do é ser um Lvnae, mas sei muito bem o que é ser um lunático. Engraçado mesmo é o que acontece dentro da minha cabeça. Coisas que vem do nada e que me surpreendem, fico tantas vezes pensando - "Onde fui eu buscar isto".

Uma dessas estátuas era menos estática do que todas as outras. Tinha mais vida, mais dinâmica, mais ação, pois representava um cavaleiro armado de uma lança que mergulhava pela boca dentro de um animal que estava junto ao chão, preso pelas quatro patas do cavalo. Esse animal era escamado e tinha asas. Tinha fortes garras e parecia “ejacular” fogo pela boca. Escamas, fogo, garras, asas...

Isto era familiar - lembrei-me das conversas sobre a Iconoclastia de São Jorge que tinha levado com meu irmão Qaiynn Lvnae do Brasil, via MSN.

Este animal tinha na sua natureza os meios de adaptação aos quatro elementos. Era um ser bem adaptado ao mundo material, ao mundo da matéria. Já o cavaleiro não parecia deste mundo. Tinha um aspeto limpo, livre, leve, luminoso. Era bonito que nem um homossexual adolescente e parecia ser animado por toda a energia do universo.

Todo ele era luz, era cosmos, era de um Fogo que arde no ar por todo o universo. Parecia também saber algo que poucos sabem e eu não sei, mas gostava de saber. E Era naquele ato aparentemente cruel em que dominava pela força das quatro patas do seu corcel o ser material, que lhe transmitia essa vida, esse canal de energia que vem do infinito e transforma em seres inspirados aqueles que viviam numa espécie de quarto escuro.

Aquela lança era como um pênis que transmite uma doença incurável. Daí em diante nada mais será o mesmo ou terá a mesma cor. Nem a mesma Luz. A visão do ser que antes era limitada expandiu-se multiplicando os seus anéis como uma mandala.

Esta nova imagem e características deste ser fizeram despertar a minha memória para uma personagem que apesar de não ter absolutamente Nada a haver com o local onde eu estava, tinha tudo de semelhante com aquele ser transformado.

Este ser possui a cabeça com características de chacal, touro e bode, representando os chifres da sabedoria, virilidade e abundância. O chacal representa Anúbis (o deus-chacal) e também o “Mercúrio dos Sábios”, o Touro representa o elemento terra e o “Sal dos Filósofos” e o bode representa o Fogo e o “Enxofre fixo”. Juntos, a cabeça da imagem representa os três princípios da Alquimia.

- A tocha entre seus chifres representa a sabedoria divina e a iluminação. Tochas estão associadas ao espírito nos quatros elementos e colocadas sobre a cabeça de uma imagem representam a inspiração divina. Isso pode ser observado até os dias de hoje, em personagens de quadrinhos que, quando tem uma idéia, aparece uma lâmpada sobre suas cabeças (grande Walt Disney!).

- O conjunto dos dois chifres também representam as duas colunas na Árvore da Vida e o fogo sendo o equilíbrio entre elas. A lua branca, que se encontra por cima do lado esquerdo, representa a magnanimidade de Chesed (Júpiter) e a lua negra, em baixo á direita, o rigor de Geburah (Marte).

- O pentagrama na testa representa Netzach (Vênus), o Pentagrama, o símbolo da proteção e da magia. Importante notar que ele se encontra voltado com a ponta para cima. As pernas cruzadas associadas ao cubo representam Malkuth.

- Nos braços desta figura estão escritos “Solve” no braço que aponta para cima e “Coagula” no braço que aponta para baixo. Solve representa “dissolver a luz astral” e coagula significa “coagular esta luz astral no plano físico”. Em outras palavras: tudo aquilo que você desejar e mentalizar no plano astral irá se manifestar no plano físico.

Como já devem ter entendido, estou a falar da figura de Baphomet. Ou melhor, estou a trazer parte dum texto de Marcelo Del Debbio que descreve Baphomet.

De volta á missa, as pessoas levantam-se e começam a sair. Olho bruscamente para o relógio - Porra já é meio dia! - Levanto os olhos para o órgão com a certeza do que ia ver. ninguém! Tanta merda, tanta merda e a puta da gaja nem apareceu! - mas nem tudo foi ruim.

Valeu na mesmo apenas ter-me levantado tão cedo para a vir a este sitio. Valeu vir a esta missa para ter São Jorje a mostar-me que ele e Baphomet na iconoclastia são vasos para o poder do filho do Homem ou do mono-mito do verbo divino encarnado.

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Publicado com autorização do Autor.

O Autor não autoriza a reprodução do texto por qualquer meio sem sua prévia autorização.

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[1] Erennin é membro da Tradição Ibérica Segundo a Veneração Lusitana em Braga - Portugal, e assim como a Lvpercvs Gael Lvnae -Em Abrantes, Camaçari, Bahia, , teve seu acesso a TI por meio do Coventiculo do Corvo Sagrado em Lisboa-Portugal.

[2] Forma perjorativa para se referir ao Homossexual Masculino em portugal, no Brasil seria algo como “Viado, Boila, Baitoila, Frutinha, Fresco, Afeminado, Xibungo”, isso dependendo da região.

[3] Menina pequena, criança pequena, filha pequena.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rodrigo

a história de que usar a igreja como um templo ao usar o linhagem de Housle, da hóstia e com a falta do vinho ¬¬, em nunca imaginar de que o simbolo seria o filho do ser humano, a sei, ficarei supreendido com isso, acho que não, tem haver totalmente com o homem.